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Como se informar sobre a saúde mental da equipe sem invadir espaços.

Muitos líderes acreditam que trazer o tema de saúde mental à tona em uma reunião de equipe pode potencializar o aparecimento de problemas relacionados a saúde mental, e que lugar de trabalho não é lugar para tal discussão. 

No entanto, de acordo com a publicação Rone Carvalho para Época Negócios (1), 

“em 2023, 421 pessoas foram afastadas do trabalho por burnout — é o maior número dos últimos dez anos no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Ministério da Previdência Social.

O estigma sobre a saúde mental, presente até hoje na sociedade, revela a falta de conhecimento no tema bem como a falta de atualização em relação aos estudos e práticas atuais relacionados a ele. 

Convido o leitor a uma rápida passagem pela história dos transtornos mentais como forma de contextualizar o estigma da saúde mental e de ampliar a consciência sobre o tema.  

Os estudos dos transtornos mentais tiveram início no final do século 18 a partir dos estudos do médico francês Philippe Pinel, que classificou os doentes os separando do que seria um desvio social de uma enfermidade mental, dando início assim a prática da psiquiatria. 

“Na nova linguagem iniciada por Philippe Pinel, os pacientes são chamados de “alienados”, significando que a visão sobre esse tipo de doença envolve separar os “normais” dos “anormais”. Os desviantes da normalidade, segundo Pinel, deveriam ser separados da sociedade e mantidos em hospitais.” Mackenzie, 2024. 

Esta visão e nomenclatura utilizada no século 18, de separar os “normais” dos “anormais” está tão enraizada na história que em pleno século XXI continuamos assombrados por esta classificação, que se tornou sinônimo de “loucura”, dificultando falar abertamente sobre o tema e mantendo o estigma da saúde mental. 

Ainda que ao longo dos anos tenhamos presenciado um grande avanço em relação a saúde mental, seja ela em relação ao conhecimento científico, a possibilidade de obtenção de diagnósticos mais precisos, quanto à práticas mais humanizadas de tratamento, processo este iniciado pela médica brasileira Nise da Silveira, na década de 1940 que propunha, de forma inovadora para a época tratamentos mais humanitários no hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro, com a utilização dos princípios da terapia ocupacional com doentes mentais internados neste hospital, utilizando-se da prática das artes em pinturas e modelagens e ainda a convivência dos pacientes com cães e gatos como parte do tratamento, ainda assim o estigma sobre a saúde mental permanece presente na sociedade atual e causando severos danos à sociedade. 

E quais são os determinantes da saúde mental e dos transtornos mentais? 

“Os determinantes da saúde mental e transtornos mentais incluem não apenas atributos individuais, como a capacidade de administrar os pensamentos, as emoções, os comportamentos e as interações com os outros, mas também os fatores sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais, como as políticas nacionais, a proteção social, padrões de vida, as condições de trabalho e o apoio comunitário. Estresse, genética, nutrição, infecções perinatais e exposição a perigos ambientais também são fatores que contribuem para os transtornos mentais.” Organização Pan-Americana da Saúde, 2024.

Retornemos agora ao ambiente de trabalho, agora com a consciência de que os determinantes da saúde mental e transtornos mentais são um conjunto de variados fatores e interações, dentre eles as condições de trabalho. E, conscientes de que o início dos estudos sobre saúde mental foram cruciais para o desenvolvimento desse campo de conhecimento, bem como para que estudiosos pudessem se aprofundar no tema. Estejamos igualmente conscientes de que, nós, seres humanos, estamos em constante evolução, tanto quanto o que tange o campo do conhecimento. 

Durante a pandemia do coronavírus houve um aumento significativo no conhecimento de casos de afastamentos de trabalho por burnout, só no Brasil tivemos um aumento de 136% de casos em 2023 comparado ao ano de 2019. 

“Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade.  A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes.” (2)

Os dados acima apontam um crescimento expressivo de problemas relacionados a saúde mental fruto das condições de trabalho, portanto, não falar sobre saúde mental no ambiente de trabalho não evita o surgimento deles, muito pelo contrário, e o que já se sabe é que a manutenção de um ambiente profissional em que falar sobre o tema é um tabu, ainda que este tabu seja velado, torna o ambiente propício ao aumento de casos de burnout entre outras doenças ou problemas mentais, prejudicando desta forma o indivíduo, a equipe e por consequência os resultados da empresa. 

Afinal, “quando a boca cala o corpo adoece, quando a boca fala o corpo sara.”(3), como é possível se observar nos sintomas do burnout, que incluem prejuízos mentais, físicos, biológicos e sociais, como cansaço físico e mental excessivo, insônia, pressão alta, problemas gastrointestinais, isolamento social entre outros. 

E como falar sobre saúde mental com a sua equipe? 

Falar sobre saúde mental não precisa ser um tabu, e nada melhor do que a coleta de informação e planejamento para iniciar este movimento. 

Se abordar este tema na sua equipe ainda causar desconforto, saiba que você não está sozinho. Alguns temas podem causar desconforto por serem tabus em determinadas sociedades e por falta de conhecimento no assunto, no entanto há diversos caminhos a seguir para quebrar estes tabus e tornar, com o tempo, as discussões mais leves e parte do dia a dia da equipe. 

A seguir compartilharei algumas dicas da autora Deborah Grayson Riegel, mas antes é preciso ressaltar a importância em criar ambientes seguros psicologicamente nas equipes, possibilitando que as conversas e os relacionamentos sejam pautados na segurança para se expressar, se relacionar, aprender e pertencer. 

Como se informar sobre a saúde mental da equipe sem invadir espaços? 

De acordo com Deborah Grauson Riegel (2023), algumas formas de se informar sobre a saúde mental da equipe sem invadir espaços são: 

  • Fale sobre a saúde como um todo: “ao perguntar sobre a saúde de alguém, lembre-se de perguntar também como anda a saúde mental. Poder ser algo simples, como: 

“Parece que você melhorou das costas, hein? Que boa notícia. E como andam as coisas por esses dias? Eu sei que você tem enfrentado muito estresse.” (e, então, pare de falar).” RIEGEL, 2023. 

Compartilhar seus próprios desafios pessoais enquanto líder auxilia na normalização da discussão e facilita que os membros da sua equipe se sintam à vontade em fazer o mesmo. 

Outra forma de pergunta não invasiva é: “o que tem tirado o seu sono ultimamente?” RIEGEL, 2023.

  • Não tente resolver os problemas das pessoas: “sua intenção é ser uma ponte para recursos, não o recurso em si. 

Caso alguém revele que está com problemas, experimente dizer: 

  • “O que mais ajudaria você neste momento?”
    • “Como posso ajudar sem invadir seu espaço?”
    • “Vamos conversar sobre os recursos disponíveis aqui e sobre o que mais você precisar.”
  • Ouça a verdade: é preciso ouvir bem e para tanto a autora Deborah Grauson Riegel oferece algumas dicas a seguir: 
    • Deixe claro que a intenção da escuta é ajudar;
    • Evite julgamentos;
    • Mantenha o foco na pessoa e na experiência dela, certificando-se de separar sua própria história da dela. 
    • Preste atenção no tema geral, uma vez que seu papel é oferecer apoio, e não resolver os problemas, não é necessário entrar em detalhes. 
    • Ouça com os olhos além das orelhas, observe atentamente a comunicação corporal, não verbal. 
    • Foque sua atenção em ouvir e não em pensar o que deve fazer, pois quando pensa no que deve fazer, não estará ouvindo mais; 
    • Caso tenha algo comprometendo a sua escuta, informe à pessoa e verifique a possibilidade de reagendar a conversa num momento em que realmente poderá ouvi-la com atenção. 

Portanto, falar sobre saúde mental no ambiente de trabalho não apenas é necessário, mas também urgente, é essencial. A omissão desse tema, mesmo que por medo de invadir espaços pessoais, não impede o surgimento de problemas, como o burnout, que têm se tornado cada vez mais frequentes. Criar um ambiente de trabalho onde a saúde mental pode ser discutida abertamente e sem estigmas é um passo fundamental para a promoção do bem-estar da equipe e, consequentemente, para a melhoria dos resultados organizacionais. Implementar estratégias como as sugeridas por Deborah Grayson Riegel, que envolvem escuta ativa e suporte sem invasão, pode transformar a cultura do silêncio em uma cultura de acolhimento e cuidado, onde os funcionários se sintam seguros para expressar suas preocupações e buscar apoio quando necessário.

Afinal, “as emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem de piores formas mais tarde.” Sigmund Freud. 

Saiba mais e assista a Live em: 

Referências Bibliográficas:

Conheça a história da Psiquiatria e compreenda a importância dela. Mackenzie. Disponível em: https://blog.mackenzie.br/vestibular/guia-de-profissoes/conheca-a-historia-da-psiquiatria-e-compreenda-a-importancia-dela/#:~:text=Podemos%20dizer%20que%20a%20psiquiatria,a%20nova%20especialidade%20da%20Medicina.Acessoem: 14 de agosto de 2024.

Ferreira, M. Conheça Nise da Silveira, pioneira no uso da arte como terapia psiquiátrica. Sesc São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/coracao-liberto-perfil-da-medica-nise-da-silveira-e-seu-olhar-revolucionario-para-a-arte-como-terapia/Acesso em: 15 de agosto de 2024.

Goulart, M. S. B. & durães, F. (2010). a reforma e os hospitais psiquiátricos: histórias da desinstitucionalização. Psicologia & Sociedade, 22(1), 112-120. 

RIEGEL, D. G. Como se informar sobre a saúde mental da equipe sem invadir espaços in: Harvard Business Review: Como melhorar a saúde mental no trabalho. 1.ed. Rio de janeiro: Sextante, 2023. Capítulo 12, p. 123 a p. 126.  

Transtornos mentais. Organização Pan-Americana da Saúde, 2024. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtornos-mentais#:~:text=Entre%20os%20transtornos%20mentais%2C%20estão,de%20desenvolvimento%2C%20incluindo%20o%20autismo

Acesso em: 14 de agosto de 2024. 

Notas

Foto de: https://pixabay.com/pt/photos/mãos-junto-comunidade-tocar-5216585/

Tathy Neder

Psicóloga, especialista em consultoria interna e desenvolvimento humano e organizacional.

Coach Executivo, de Carreira, de Equipes e Grupos,

Consultora, Facilitadora e Mentora de

DHO, Liderança e Carreira.

Facilitadora de Segurança Psicológica.

Chief Happiness Officer.

tathyneder@coaching4action.com

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