Ao pensar em saúde mental nas organizações, frequentemente pensamos em um cenário individual e que, em termos hierárquicos, este individuo esteja ocupando posições não relacionadas a alta gestão.
No entanto na quinta edição do estudo Inteligência Emocional e Saúde Mental no Ambiente de Trabalho, realizado pela The School of Life em parceria com a Robert Half, os resultados demonstraram que “entre os gestores, 28,78% receberam algum diagnóstico – estresse (10,49%), burnout (5,12%) ou ansiedade (13,17%). E 16,34% afirmaram não ter recebido diagnóstico médico, mas disseram que se sentem emocionalmente abalados. Entre os gestores, 11,17% usam medicamentos para aliviar sintomas de ansiedade.” (1)
A falta de diagnóstico médico e a automedicação, em se tratando de saúde mental, ainda é um cenário comum em função do estigma sobre o tema, o que pode significar que, os indicadores apresentados na pesquisa mencionada acima, podem ser ainda mais relevantes.
Segundo o psicólogo Saulo Velasco, essa incidência “relativamente alta de diagnósticos de estresse, burnout e ansiedade entre líderes e liderados sugere que as condições de trabalho contemporâneas têm prejudicado a saúde física e mental de muitos trabalhadores” (1). Apesar da saúde mental ser pautada no completo bem-estar físico, mental e social de acordo com o conceito da organização mundial de saúde, e desta forma o seu prejuízo não ser apenas o reflexo direto das relações no ambiente de trabalho, ainda assim é notório o impacto do ambiente de trabalho na saúde do indivíduo.
Todos estamos suscetíveis a prejuízos na saúde mental, inclusive os gestores, que ocupam cargos em que um certo grau de estresse é esperado em função da alta responsabilidade que costumam ter em relação aos negócios e as pessoas.
Em novembro de 2023 o Ministério da Saúde do Brasil publicou a atualização da lista de doenças relacionadas ao trabalho, publicação que me motivou a iniciar em janeiro de 2024 uma jornada mais intensa e pública de meus estudos e trabalhos em prol de um ambiente de trabalho saudável e sustentável. E em março de 2024 foi aprovado no Brasil, a lei n. 14.831 que reconhece e certifica empresas que se comprometem a promover o bem-estar dos seus trabalhadores, buscando criar ambientes de trabalho mais saudáveis e inclusivos.
Reforçando assim, pós pandemia, a necessidade gritante de falar e cuidar da saúde mental do trabalhador e com isso a necessidade das organizações se atualizarem sobre o tema, avaliarem mudanças na cultura organizacional e a necessidade de preparar os líderes das organizações para lidarem com este cenário, que apesar de não ser novo, hoje está mais evidente o impacto da saúde mental nos resultados dos negócios e na qualidade dos relacionamentos.
Assim como nos preparamos tecnicamente para exercer uma determinada profissão, o preparo para ocupar cargos de gestão deve ir além do preparo técnico, deve incluir, hoje mais do que nunca, o incentivo ao investimento em seu autoconhecimento, o preparo emocional, a conscientização das formas e impacto da comunicação, o conhecimento dos estilos de liderança e seus impactos na equipe e por consequência nos resultados, ser capaz de cultivar um ambiente seguro psicologicamente e gerar engajamento entre as pessoas, abraçar a diversidade e favorecer a inclusão.
As prioridades no desenvolvimento das lideranças para o ano de 2024
De acordo com o Relatório de Tendências de Gestão de Pessoas 2024, realizada entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, lançado pela Great Place To Work, as prioridades no desenvolvimento das lideranças para o ano de 2024 reportadas foram as seguintes, em ordem de prioridade:
- desenvolvimento/capacitação da liderança;
- cultura organizacional;
- engajamento das pessoas;
- comunicação interna;
- saúde mental;
- experiência do colaborador;
- novas políticas/formatos de trabalho;
- marca empregadora;
- digitalização de processos e ferramentas de RH;
- transformação digital;
- diversidade e inclusão;
- princípios da ESG;
- People Analytics.
Nesta pesquisa, a saúde mental aparece como protagonista dos desafios enfrentados durante o ano de 2023, no entanto como uma área ainda pouco explorada pelas empresas e sem investimento destinado para ações efetivas. E surge como tendência para 2024, a necessidade de ser encarada como protagonista para ações estratégicas da gestão.
Quando um líder da alta gestão está enfrentando a depressão é comum que ele(a) procure esconder pelo que está passando, muitos gestores relatam que, durante o período de depressão, se dedicavam ainda mais ao trabalho com a expectativa de que não ficasse evidente pelo que estavam passando. No entanto este tipo de reação é prejudicial ao gestor e a sua equipe, pois como vimos anteriormente os líderes modelam os comportamentos das equipes e criam a sua própria cultura, a sua forma de funcionamento, com isso os efeitos da depressão podem afetar os membros da equipe.
Ao lidar com a depressão na alta gestão, é necessário reconhecer que o ambiente de trabalho contemporâneo exerce uma pressão intensa sobre os líderes. O conceito de burnout, oferece uma explicação sólida para o esgotamento emocional que pode afetar os gestores. Burnout é o resultado do estresse crônico no ambiente de trabalho, onde demandas excessivas, falta de controle e suporte insuficiente prejudicam a saúde mental. No caso da alta gestão, esses fatores são ainda mais acentuados devido à necessidade constante de tomar decisões críticas sob pressão.
Adicionalmente, o modelo demandas-controle de Robert Karasek ressalta que a combinação de altas demandas com baixo controle sobre o próprio trabalho é uma receita para o estresse, que pode evoluir para condições mais graves como depressão. Esse modelo explica a vulnerabilidade dos gestores à depressão, já que suas responsabilidades são imensas, mas muitas vezes encontram pouca autonomia ou suporte emocional para lidar com essas cargas.
Na prática, um caminho para mitigar esses efeitos é a implementação de políticas organizacionais que promovam um ambiente mais saudável e inclusivo. Estudos como o Projeto Aristóteles, conduzido pelo Google, demonstram a importância de ambientes de trabalho que promovem a segurança psicológica, onde os gestores se sentem à vontade para expressar vulnerabilidades e pedir ajuda sem medo de repercussões. Esse tipo de cultura organizacional não apenas melhora o bem-estar dos líderes, mas também aumenta o engajamento e a produtividade das equipes.
Instrumentalização dos Gestores
O relatório da Great Place to Work de 2024 reforça a necessidade urgente de instrumentalizar os gestores para lidar com questões de saúde mental, tanto a própria quanto a de suas equipes. O fato de quase metade dos gestores não se sentir equipada (1) para apoiar a saúde mental dos colaboradores é alarmante e aponta para a necessidade de maior investimento em capacitação emocional.
A autora Morra Aarons-Mele, em sua obra “como lidar com a depressão na diretoria-executiva”, aborda diretamente os desafios emocionais enfrentados pelos líderes, sugerindo que a transparência e a busca por ajuda são passos fundamentais para evitar o agravamento da depressão. Um ambiente de trabalho que favoreça conversas abertas sobre saúde mental e ofereça suporte emocional ativo aos líderes é crucial para a prevenção e o tratamento de condições como a depressão.
Conclusão
A depressão na alta gestão é um desafio significativo, mas não insuperável. O reconhecimento desse problema e a implementação de políticas e práticas que priorizem a saúde mental podem não apenas melhorar a qualidade de vida dos gestores, mas também criar ambientes organizacionais mais saudáveis, produtivos e sustentáveis.
Para líderes e organizações que desejam fazer a diferença, o primeiro passo é abrir o diálogo sobre saúde mental no local de trabalho. Programas de apoio emocional, treinamento sobre saúde mental e ambientes psicologicamente seguros são essenciais para enfrentar essa questão. Pequenas ações, como a inclusão de momentos de escuta ativa e feedback constante, podem transformar radicalmente o ambiente de trabalho.
A liderança saudável começa com líderes emocionalmente saudáveis. Investir na saúde mental da alta gestão não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas uma estratégia de negócio que pode impactar positivamente os resultados e a cultura organizacional. Cada passo dado nessa direção pode ser o início de uma transformação que beneficia tanto os gestores quanto suas equipes.
Saiba mais em:
Referência bibliográfica
AARONS-MELE, M. Como lidar com a depressão na diretoria-executiva – entrevista com Paul Greenberg in: Harvard Business Review: Como melhorar a saúde mental no trabalho. 1.ed. Rio de janeiro: Sextante, 2023. Capítulo 18, p. 188 a p. 195.
Notas
- Questões de saúde mental afetam líderes e liderados. Carreira: Valor Econômico. 09/09/2024. Disponível em: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2024/09/09/questoes-de-saude-mental-afetam-lideres-e-liderados.ghtml 2/10
- Confira os principais destaques do Relatório Tendências Gestão de Pessoas 2024. Great Place To Work®. 07 de fevereiro de 2024. Disponível em:
Imagem: https://pixabay.com/pt/photos/funcionário-sala-de-conferências-7366216/
Imagem de u_w24h9b9v3p por Pixabay