Apesar das recentes discussões sobre ambiente de trabalho mais saudáveis, o reconhecimento sobre a importância do bem-estar físico, discussões sobre modelos de liderança que promovam a segurança psicológica e modelos de trabalho híbridos ou remotos, ainda há muito o que se caminhar quando o tema é saúde mental no ambiente de trabalho.
Falar sobre saúde mental continua sendo um estigma na sociedade atual e principalmente nas organizações. Ainda há uma crença coletiva de que falar sobre transtornos ou problemas mentais possa atrair o surgimento destas, no entanto não abordar o tema causa prejuízos à própria saúde mental e a toda sociedade.
“Nos Estados Unidos, os transtornos de ansiedade afetam cerca de 40 milhões de adultos, e no mundo esse número é estimado em 284 milhões de pessoas, o que faz da ansiedade a enfermidade mental mais comum do planeta. Na verdade, os números devem ser ainda mais altos, uma vez que as estatísticas refletem apenas as pessoas que tiveram acesso a tratamento e que receberam um diagnóstico. Outros exemplos de problemas mentais são a depressão, os transtornos de humor, como transtornos bipolar tipos I e II, o transtorno obsessivo-compulsivo e outros distúrbios, como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).” (AARONS-ME, p.12)
Conforme publicado por Aarons-me, estes transtornos foram estudados mais recentemente, em 2020, por pesquisadores que descobriram um aumento preocupante destes transtornos pós pandemia. De acordo com esta pesquisa houve um aumento de 76,2 milhões de casos de ansiedade e 53,2 milhões de novos casos de transtornos depressivos significativos.
Não abordar o tema nas organizações pode elevar o sofrimento dos profissionais que estão enfrentando algum transtorno ou sofrimento mental e não evitará que seus efeitos afetem o seu desempenho profissional, pois tais transtornos, em linhas gerais, reduzem a capacidade de concentração, geram a perda de foco, distorção de fatos, podem ainda levar a pessoa a tomar decisões equivocadas, isolamento social, podem surgir pensamentos negativos entre outras possibilidades que podem levar o colaborador ao sofrimento, inclusive físico. Prejudicando funções essenciais para o desempenho adequado do colaborador.
Algumas pesquisas1 comprovam que falar sobre saúde mental nas organizações trás benefícios para o colaborador individualmente bem como torna o ambiente, em nível coletivo, um local saudável, criativo e mais produtivo.
No entanto, o estigma social de que falar sobre o assunto poderá gerar julgamento e até mesmo levar a demissão, impede que este assunto seja abordado de forma benéfica a todos nas organizações. Com isso o agravamento dos transtornos mentais se torna mais frequente e por consequência os afastamentos por motivos de doença, os pedidos de demissão, a redução da qualidade nos serviços prestados, consequências inerentes quando se assume o posicionamento de não abordar o tema de forma aberta nas organizações estão cada vez mais frequente.
A nível pessoal, fazer uma pausa para uma autorreflexão pode ser um fator chave para evitar um problema crônico ou de exaustão em que a saída seja apenas o afastamento profissional.
Desta forma, o primeiro passo para abordar o tema de saúde mental na organização, em um ambiente onde este tema não é abordado abertamente até o momento, está na esfera pessoal, na autorreflexão e em ações planejadas.
Algumas sugestões da Kelly Greenwood2 fundadora da Mind Share Partners são:
- Pense no que está enfrentado e qual o impacto disso: em seu desempenho profissional, se notou alterações em seu comportamento, em seus relacionamentos em geral, entre outros fatores.
- Qual a duração deste impacto? Esporádicos ou duradouros?
- O que está passando é algo esporádico ou constante?
- Pense nas possíveis causas dos sintomas: tem relação com o trabalho, com algum aspecto da vida pessoal ou com um fator estressante de maior alcance?
- Verifique se a organização oferece algum recurso aos colaboradores como capacitação em saúde mental no ambiente de trabalho, grupos de apoio ou outros.
- Analise como a organização poderia te apoiar e elabore um pedido claro: como por exemplo, trabalhar um dia em home office para viabilizar sua presença na terapia? Ou negociar um horário diferenciado de trabalho em um determinado dia da semana?
- Avalie com quem poderia contar em um primeiro momento, idealmente o seu líder imediato teria esta função de apoio, acolhimento e encaminhamento, no entanto avalie se ele(a) demonstra tais comportamentos, ou comportamentos que você considera como confiável e empático. Não sendo o líder uma opção, avalie com quem pode contar, algum profissional dos recursos humanos ou um colega em quem confia? Contar com o apoio de um familiar ou amigo de sua confiança pode também te auxiliar para que perceba que não está sozinho(a) e para te auxiliar em pensar em algumas saídas de forma mais consciente e sensata.
- Informe-se sobre proteções e benefícios legais.
Como destacado anteriormente, falar abertamente sobre saúde mental ainda é um estigma em nossa sociedade e como todo estigma a sua dissolução ocorre a partir de decisões corajosas de quebra destes ciclos. Estas decisões corajosas partem do sentimento de compaixão e de autorresponsabilidade.
No âmbito organizacional, abordar o tema de saúde mental é essencial para a criação de um ambiente criativo, produtivo e propício a felicidade do trabalhador. Para que este tema seja abordado de forma séria e benéfica é importante iniciar por uma análise estruturada da cultura organizacional, por uma análise das políticas de recursos humanos, pelo entendimento do perfil da liderança, verificar quais são as regras acordadas e as veladas. A partir do diagnóstico do momento atual da organização é possível compreender o cenário em que a organização se encontra e desenhar um projeto com o planejamento de ações para o cultivo de um ambiente favorável a saúde mental do trabalhador.
E por onde começar?
Após o diagnóstico é possível analisar as condições reais da organização, e como apresentado em inúmeros estudos, compreender se as necessidades básicas estão sendo atendidas é fundamental antes da proposta de qualquer projeto com uma complexidade ou amplitude maior.
Algumas necessidades básicas podem ser definidas como oferecer um local de trabalho arejado, com iluminação natural, com mesas e cadeiras ergonômicas apropriadas as funções exercidas naquela organização ou área, acesso a água e banheiros, segurança, ambiente organizado e limpo são algumas das necessidades básicas.
Considerando que as necessidades básicas estejam sendo atendidas e que a organização pretende dar início a algumas iniciativas, um bom começo é entender que a felicidade no trabalho está diretamente relacionada ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional3, portanto incentivos a manutenção deste equilíbrio são cruciais.
“Sergio Cancelo, CHO (chief happiness officer ou chefe de felicidade corporativa) da Happyforce, acredita que os critérios que influenciam no clima de bem-estar das empresas também estão relacionados com componentes relacionais e sociais. O executivo espanhol cita o “aprendizado e o desenvolvimento”, “a equipe” ou as pessoas com quem interagimos no dia a dia, e a “valorização”. “Cada reconhecimento que você recebe tem um grande impacto na sua felicidade.” (SARAIVA, J., 2024).
Em um cenário inicial algumas iniciativas poderiam incluir:
- Carga de trabalho adequada;
- Horários de trabalho flexíveis;
- Incentivo a prática de esportes ou atividades físicas;
- Respeito ao horário de almoço;
- Promover o cultivo de pequenas pausas durante o dia;
- Disponibilização de um canal de
- Palestras sobre saúde mental; e,
- Apoio ao atendimento psicológico.
Já para as organizações com um grau de maturidade maior sobre o tema, algumas iniciativas poderiam ser:
- Desenvolvimento da liderança: rever o modelo de liderança, instrumentalizar os líderes, programas e políticas que apoiem os líderes.
- Programas de bem-estar;
- Programas de desenvolvimento de equipes: incluindo o cultivo da segurança psicológica de times;
- Programas de felicidade;
- Programas de reconhecimento;
- Grupos de apoio; e,
- Disponibilização de equipe de psicólogos.
Para que possamos construir um ambiente de trabalho saudável e produtivo, é fundamental abordar a saúde mental de forma aberta e estruturada. Ignorar este tema pode resultar em prejuízos significativos tanto para os colaboradores quanto para a organização. Através de uma análise detalhada da organização, é possível desenvolver um plano de ação eficaz para promover o bem-estar, saúde mental e felicidade no ambiente de trabalho.
Conte comigo para realizar um diagnóstico completo da sua organização e implementar um plano de ação personalizado, visando criar um ambiente propício à saúde mental e ao crescimento profissional dos colaboradores e da organização.
Saiba mais assistindo a live abaixo:
Referências Bibliográficas:
AARONS-MELE, M. A saúde mental no ambiente de trabalho in: Harvard Business Review: Como melhorar a saúde mental no trabalho. 1.ed. Rio de janeiro: Sextante, 2023. Introdução, p. 12
GREENWOOD, K. Como falar de saúde mental no trabalho in: Harvard Business Review: Como melhorar a saúde mental no trabalho. 1.ed. Rio de janeiro: Sextante, 2023. Capítulo 1, p. 20 a p. 28.
VALENTE, P. A história da saúde mental: do antigo ao contemporâneo. Disponível em: https://blog.cenatcursos.com.br/a-historia-da-saude-mental-do-antigo-ao-contemporaneo/ Acesso em: 23 de junho de 2024.
Notas
- Haroon Siddique, “Depressed Works More Produtive if they can talk to their bosses.” The Guardian, 23 julho de 2018, https://www.theguardian.com/society/2018/jul/23/depressed-workes-more-productive-if-they-can-talk-to[their-bosses.
- GREENWOOD, K. Como falar de saúde mental no trabalho in: Harvard Business Review: Como melhorar a saúde mental no trabalho. 1.ed. Rio de janeiro: Sextante, 2023. Capítulo 1, p. 23.
- SARAIVA, J. Felicidade vem do equilíbrio entre visa pessoal e trabalho. Valor econômico – Carreira, 17 junho de 2024. Disponível em: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2024/06/17/felicidade-vem-do-equilibrio-entre-vida-pessoal-e-trabalho.ghtml Acesso em: 17 de junho de 2024